Artigo – 10.Entenda o que há por trás do Transtorno Borderline

Artigo – 10.Entenda o que há por trás do Transtorno Borderline

A neurobiologia do Transtorno de Personalidade Borderline: uma ponte para a análise comportamental

Temperamento e caráter são conceitos amplamente utilizados para delimitar a participação dos aspectos biológicos e psicossociais na conformação dos transtornos de personalidade. Por vezes, o fator biológico é o determinante; em outras, o papel principal, mas não exclusivo, é dado aos eventos traumáticos e/ou psicossociais ocorridos ao longo do desenvolvimento do indivíduo. Especificamente, o Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) se caracteriza, tanto por impulsividade, quanto por instabilidade nas relações interpessoais, na identificação da autoimagem e na expressão da afetividade (1). Cabe ressaltar que a impulsividade e instabilidade emocional não são diagnósticos psiquiátricos clássicos como a esquizofrenia, a depressão, o transtorno bipolar ou de personalidade, mas, do ponto de vista neurobiológico, podem ser entendidas como quaisquer outras condições psiquiátricas ou neurológicas, uma vez que poderiam compartilhar algumas similaridades fenomenológicas e biológicas apesar dos diagnósticos primários aos quais estão associados. Em estudos familiares prospectivos, evidenciou-se que os transtornos caracterizados por impulsividade, tais como transtorno de personalidade antissocial e transtorno por uso de substâncias, são mais comuns em famílias de pacientes com Transtorno de Personalidade Borderline (2). Outros estudos indicam concordância em gêmeos idênticos para a transmissão genética de instabilidade afetiva e impulsividade (3, 4).  Ainda, estudos neurobiológicos indicam que o neurotransmissor serotonina é associado à impulsividade (5), e a instabilidade afetiva também parece ser mediada pela serotonina, através de uma ausência de inibição dos sistemas dopaminérgico e noradrenégico (6).

Sabidamente, o TPB é produto da interação de fatores biológicos (temperamentais), psicológicas e comportamentais, tendo sido observado, por exemplo, em até 25% dos pacientes com histórico de abuso sexual na infância (7), os quais mostram mudanças no volume do hipocampo e amígdala (8). Os indivíduos com personalidade borderline têm prejuízo na flexibilidade cognitiva, planejamento, atenção e excitação, os quais afetam sua capacidade de processar e integrar experiências traumáticas (9). Por isso, alguns estudos chegaram a propor que o TPB é uma variante do Transtorno de Estresse Pós-Traumático (10, 11), o que não se confirmou posteriormente.

Dentre suas principais características clínicas, o TPB inclui o aparecimento de episódios psicóticos, caracterizados pela sua curta duração, a presença de instabilidade emocional manifesta e a desregulação no controle de impulsos, com a possível ocorrência de um comportamento imprevisível, como episódios graves de automutilação e heteroagressão. Para alguns autores, o desenvolvimento deste quadro sintomatológico característico e variado está associado com a desregulação de diferentes sistemas de neurotransmissores presentes nos circuitos neuronais. Dessa forma, a desregulação do sistema dopaminérgico se relaciona com a produção de sintomas cognitivo-perceptuais, e a desregulação dos sistemas noradrenérgico, serotonérgico e, em menor escala, colinérgico, com a produção de sintomas na área afetiva. A desregulação desses sistemas é uma tentativa de apoiar e explicar o uso de certos agentes farmacológicos no tratamento de sintomas variados nesses pacientes (12).

Por outro lado, é evidente que este modelo de pensamento unidirecional que coloca a alteração comportamental como consequência direta e exclusiva de uma desregulação do sistema de neurotransmissão é limitada por não incorporar dados de pesquisas sobre outas variáveis cuja importância é igualmente reconhecida, como as experiências emocionais e psicossociais no desenvolvimento do TPB. Estas são, reconhecidamente, muito importantes na constituição de comportamentos complexos humanos, especialmente as experiências traumáticas, em se tratando de pacientes com TPB, por exemplo, perda precoce dos pais, abuso físico e/ou sexual e experiências de abandono.
Essas primeiras experiências têm a capacidade de exercer um grave impacto no desenvolvimento neurológico do indivíduo, definindo o aparecimento de uma possível desordem psicopatológica futura (13, 14, 15, 16). Além disso, no SNC podemos encontrar não só a existência de diferentes sistemas neurotransmissores, mas também uma grande variedade de receptores, cascatas intracelulares e mecanismos genômicos que interagem dinâmica e constantemente umas com as outras. Eles interagem simultaneamente com informações do corpo e do ambiente (tratamento de níveis e bidirecional). A interação de todos esses sistemas (corpo ßà sistema nervoso central (SNC) ßà ambiente) vai dar origem ao desenvolvimento de fenômenos de neuroplasticidade do cérebro, determinando o comportamento básico de uma pessoa. Portanto, a compreensão da ligação de certos traços comportamentais (na área cognitiva perceptual, controle emocional e impulso) em pacientes com transtorno de personalidade borderline com a desregulação de diferentes sistemas de neurotransmissores facilita, não apenas o tratamento farmacológico do paciente – permitindo o uso mais racional dos psicofármacos –, mas também a abordagem psicoterápica, a partir de um mais completo entendimento a respeito dos padrões comportamentais destes indivíduos.

Vários neurotransmissores, como a serotonina, a dopamina, a noradrenalina, dentre outros, estão envolvidos no equilíbrio entre os impulsos ascendentes que chegam ao SNC provenientes do ambiente e os mecanismos pré-frontais de controle descendentes (17, 18). A identificação do papel desses neurotransmissores é essencial para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas para o adequado manejo da desregulação emocional e comportamental característica do TPB. Um número impressionante de estudos, utilizando diferentes técnicas de pesquisa tanto clínicas quanto pré-clínicas, encontrou associação entre hipofunção serotonérgica e comportamento impulsivo ou agressivo (18). A primeira evidência histórica da contribuição da serotonina na inibição de tal comportamento foi produzida por um grupo escandinavo quatro décadas atrás (19). Eles relataram que pacientes depressivos com concentrações reduzidas no líquor do principal metabólito da serotonina, o ácido 5-Hidroxiindolacético (5-HIAA), tiveram probabilidade significativamente maior de ter tido tentativas prévias de suicídio que pacientes depressivos com concentrações normais desse metabólito. Este achado foi associado àqueles pacientes que tinham empregado estratégias mais violentas para tentar o suicídio. A serotonina regula as regiões corticais pré-frontais como o córtex órbitofrontal e o córtex cingular anterior atuando nos receptores 5-HT2 (17). Em vários paradigmas de pesquisa, encontrou-se que há um papel diferente e complementar dos dois tipos de receptores 5-HT2. Os receptores de 5-HT2A estão envolvidos em impulsividade e agressividade aumentadas e os receptores de 5-HT2C em impulsividade e agressividade diminuídas. As catecolaminas (dopamina e noradrenalina) também estão envolvidas na modulação das respostas impulsivo-agressivas por meio do controle da atividade do córtex pré-frontal (17). Os níveis de irritabilidade se correlacionam à resposta do hormônio do crescimento à clonidina, um agonista do receptor adrenérgico alfa2 (20). O efeito da dopamina é menos claro e parece controverso; por exemplo, o metilfenidato, que aumenta a atividade da dopamina, pode diminuir o comportamento impulsivo em alguns pacientes (21), ao passo que as drogas antipsicóticas, que são inibidoras da ação da dopamina, podem também diminuir esse comportamento (18). O glutamato e o ácido gama-amino-butírico (GABA) sinalizam os impulsos ascendentes do sistema límbico relacionados ao comportamento agressivo-impulsivo, e parecem estar envolvidos na modulação dos aspectos emocionais da memória na amígdala (14,15). Uma deficiência nesses mecanismos pode aumentar a resposta aos estímulos adversos.

Como exposto acima, o quadro clínico conhecido do TPB pode estar associado a várias disfunções diferentes no circuito envolvido na resposta aos estímulos ambientais, onde há um  desequilíbrio entre o controle descendente, promovido pelo córtex frontal orbital e o giro do cíngulo anterior (envolvido na adaptação do comportamento às expectativas sociais e futuras e em prever as expectativas de recompensa e punição) (22) e os impulsos ascendentes gerados nas estruturas límbicas, tais como a amígdala e a ínsula (17), o que determina o aparecimento dos sintomas marcados por instabilidade afetivo-comportamental. Neste sentido, os psicofármacos deverão ser utilizados, inicialmente, para tratar os sintomas que ocorrem durante os períodos de descompensação aguda, devendo ser mantidos mediante avaliações psiquiátricas periódicas. Ressalta-se que não há nenhuma droga específica e de escolha no tratamento de pacientes com TPB, sendo indicadas de acordo com os sintomas apresentados pelo paciente. Além disso, o medicamento nunca substituirá a psicoterapia, mas colabora ativamente com a mesma em certos momentos do processo terapêutico, resultando na criação de uma aliança terapêutica mais sólida e estável.

 

Fonte:JANOVIK, N. A NEUROBIOLOGIA DO TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE: UMA PONTE PARA A ANALISE COMPORTAMENTAL, 2018. Disponível em:https://www.comportese.com/2018/01/neurobiologia-do-transtorno-de-personalidade-borderline-uma-ponte-para-analise-comportamental

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