De repente, achei que ia morrer: entenda a crise de pânico
Sem qualquer aviso, você perde o ar. O mundo gira e tudo na sua alma grita para você procurar um hospital, pois algo de muito errado está acontecendo. O caminho até o pronto-socorro é infinito. Chegando lá, a enfermeira não parece muito preocupada com a sua morte iminente.
Ao passar pelo médico, ele garante que seu coração está ótimo, foi apenas uma crise de ansiedade. “Está forte como um touro”, diz, dando aquele tapinha no ombro. Você abre um sorriso amarelo, que reflete um pouco do sentimento de vergonha e muito de sua descrença no clínico.
Como não é bobo nem nada, já marca consulta com um cardiologista de confiança. Mas ouve a mesma ladainha. Ele então lhe passa a receita de um ansiolítico: “É para a sua ansiedade”, explica. Pede que faça mais esportes, tome o medicamento quando precisar e, se quiser, procure um psicólogo ou um psiquiatra.
Você sempre foi uma pessoa forte, focada e competente. Nunca imaginou que precisasse de terapia. Por isso, decide seguir a vida sem tratamento. Só vai tomar uma gotinha da medicação quando sentir que precisa de verdade.
Aos poucos, porém, essa gotinha passa a não ser suficiente. Você aumenta a dose. Parece fazer cada vez menos efeito, enquanto você se afunda mais e mais. O medo de ter outra crise daquelas preenche boa parte do seu dia. Ele é tão grande que você tenta se afastar de qualquer gatilho para a sua ansiedade. A partir daí, até mesmo ir para o trabalho passa a ser um sacrifício.
Essa é a história de muitos pacientes ansiosos antes de procurarem a ajuda de um psiquiatra ou de um psicólogo.
Primeiro ponto é saber que os ansiolíticos, apesar de proporcionarem um alívio imediato, não funcionam bem em médio e longo prazo. Há evidências, inclusive, de que o tratamento feito exclusivamente com esse tipo de medicação pode piorar o quadro de pânico. Aqui, preciso reforçar o óbvio: o médico capaz de prescrever a medicação adequada é o psiquiatra. Da mesma forma que você não deixaria o ortopedista cuidar de um problema cardíaco, não faz sentido tratar um problema no seu cérebro com um especialista em coração.
Há evidências de que o tratamento conjunto, psicoterapia e medicação, é o melhor caminho para casos de pânico. Mas, antes, você precisa entender que a ansiedade é um conjunto de respostas fisiológicas naturais do nosso corpo diante de uma situação de perigo. Elas foram fundamentais para a sobrevivência de nossa espécie em um passado remoto: ao se deparar com seu predador, nosso antepassado começava a suar frio e a respirar curto para garantir que seu corpo se manteria resfriado e cheio de oxigênio para a fuga. Assim como o sangue saía de suas vísceras e braços para se acumular nas pernas, prontas para correr dali ou entrar em combate.
Essa ação dos hormônios ligados à ansiedade fez toda a diferença entre os que sobreviveram e os que foram mortos pelo leão. Somos, portanto, todos descendentes de seres que aprenderam a sentir medo e correr. E essa ansiedade ainda é útil nos dias de hoje — aquele nervosismo básico que ajuda na concentração para uma prova por exemplo. O problema, portanto, não é sentir ansiedade.
O sofrimento problemático se dá quando, na crise de pânico, temos uma resposta de ansiedade intensa e não encontramos um leão do qual precisamos fugir. Acumulamos oxigênio para uma corrida que nunca dá a largada. Até porque pouco adianta sair correndo de um chefe agressivo. Presos no trânsito, sem ter para onde escapar, as sensações corporais que acompanham a ansiedade beiram o insuportável.
Ou seja, longe de sua função evolutiva, o preparo do nosso corpo para fugir de predadores passa a ser aversivo. E fazemos de tudo para nos livrarmos dessas sensações depressa. Só que, em geral, pioramos tudo. Ficamos ordenando a nossa cabeça para não pensar em uma nova crise. No entanto, nos paradoxos da nossa mente, toda vez que tentamos não pensar na crise, acabamos nos lembrando dela. E, assim, a convidamos a se repetir sempre que tentamos espantá-la.
Às vezes, esse ciclo se repete de uma maneira tão incisiva que a crise e o fugir da crise passam a tomar boa parte de nossa vida. Por isso, o primeiro passo é aprender a superar essa ansiedade sem piorá-la. Porque, acredite, se aceitarmos a crise de pânico e não ficarmos tentando nos livrar dela, ela geralmente dura (apenas) entre 15 a 20 minutos.
Esse talvez seja o aprendizado mais fundamental para lidar com a nossa ansiedade: para que ela melhore, é preciso enfrentá-la. E, desse modo, perceber que a crise tem começo, meio e fim. Que você é capaz de passar por ela ileso. Ao descobrir isso, a próxima crise será mais fraca, passará mais rápido ou até, eventualmente, ela não acontecerá mais.
Gosto de lembrar os meus pacientes que o único jeito de acabar com o medo do escuro é apagando a luz. Podemos fazer isso aos poucos, deixando o Mickey na tomada ou a porta entreaberta com a luz do corredor acesa. Mas o medo só vai passar de vez quando a criança aprender a ficar no escuro. O mesmo vale para as crises de ansiedade.
Por isso, uma técnica muito usada no tratamento de pacientes com pânico é provocar a crise na própria sessão de terapia. Assim, dá para treiná-lo a atravessar a ansiedade sem piorá-la. Ensinamos, por exemplo, a respiração diafragmática — uma respiração pela barriga em que o tempo de exalação é sempre maior do que o de inalação. Ela é importante por ser incompatível com o comportamento automático da ansiedade, produzindo respostas fisiológicas opostas àquelas geradas pela crise de pânico.
Ao mesmo tempo, é primordial que a pessoa ansiosa aprenda a observar seus pensamentos catastróficos sem se envolver com eles — tratá-los como se fossem apenas pensamentos, e não indicativos de um perigo real e iminente. A cada vez que você percebe que a cabeça se distraiu e foi em direção a um pensamento ansioso — e isso sempre acontece—, conduza a atenção de volta à respiração. Note a sutileza: o importante, aqui, não é ficar com a cabeça 100% focada na respiração, mas ser capaz de voltar a atenção para a respiração quantas vezes forem necessárias.
Apesar de essas medidas serem simples, elas são difíceis de serem implementadas. Um pouco como aquelas dicas para você comer saudável: fácil de falar, complicado de executar. Por isso, um acompanhamento cuidadoso com um profissional qualificado é fundamental.
E esse é apenas o primeiro passo de um tratamento bem feito. Um ataque de pânico nunca vem isolado, separado do cotidiano da pessoa. Ao contrário, na maior parte das vezes, ele é o ápice de uma vida de ansiedade crescente. Por isso, simplesmente contornar a crise não vai gerar frutos duradouros. Completado esse estágio inicial, devemos focar na ansiedade de forma mais ampla, isto é, é preciso tratar de um estado de preocupação constante que provavelmente sempre acompanhou quem teve um ataque de pânico.
Fonte: JOSUA, D. DE REPENTE, ACHEI QUE IA MORRER:ENTENDA A CRISE DE PÂNICO, 2018. Disponível em:https://danjosua.blogosfera.uol.com.br/2018/01/11/de-repente-achei-que-ia-morrer-entenda-a-crise-de-panico/